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Guerra, drogas, milícias e Estado: o fim do monopólio da violência física legítima?

  • Foto do escritor: Victoria Mancino
    Victoria Mancino
  • 20 de set. de 2018
  • 4 min de leitura

Atualizado: 31 de mai. de 2019

Em parceria com Eliza Ranieri


Por Mauro Pimentel / Imagens AFP

Em 2010, um dos maiores fenômenos do cinema nacional era lançado. ‘Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora É Outro’, dirigido por José Padilha, chocou muita gente ao representar o poder político nas mãos das milícias do Rio de Janeiro. Nas décadas de 1960, 1970 e 1980 existiam grupos de extermínio que faziam uso de meios ilegais para combater os conflitos. O trabalho dos chamados “justiceiros” era visto como alternativa de resolver as falhas na segurança pública. Se nesta época a milícia era bem vista pela população, hoje a visão é diferente. O serviço militar da milícia funciona com base na oferta de segurança, um tipo de “pedágio”, que gera uma relação de dependência da região ou favela em que atua. De acordo com um levantamento do Ministério Público, 88 favelas estão sob o controle de milícias no município do Rio.


Em maio de 2008, uma repórter, um fotógrafo e um motorista do jornal “O Dia” foram torturados por milicianos que comandavam a Favela do Batan, Zona Oeste do Rio. A equipe, que preparava uma reportagem sobre a rotina de pessoas que vivem sob o domínio de uma milícia, foram descobertos e torturados por sete horas e meia. Quase um mês depois do ocorrido, a Assembléia Legislativa do Rio aprovou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que serviria para investigar a atuação de milícias no Estado, formadas por policiais e bombeiros atuando de forma ilegal nas favelas do Rio.


O presidente do relatório da CPI foi o deputado estadual Marcelo Freixo. Ele e sua assessora parlamentar na época, Marielle Franco, trabalhavam contra as milícias. Em 2008, 226 pessoas foram indiciadas. Entre elas, oito policiais civis, 67 policiais militares, três bombeiros, dois agentes penitenciários, dois militares das forças armadas, cinco militares de órgãos não-identificados e 130 não-policiais ou militares. Presidir a comissão custou caro para Freixo que precisou deixar o país em 2011 devido a constantes ameaças de morte. Foram sete em um mês. “É uma situação de total insegurança e muito grave, porque nada mais fiz do que cumprir a minha função como parlamentar. Então, quem cumpre a sua função pública, ser ameaçado de morte por isso é muito grave. E a gente está falando do principal crime organizado no Rio de Janeiro: a milícia hoje é o mal maior que tem no Rio”, disse ele, em entrevista ao G1 antes de deixar o Brasil. Dez anos depois da CPI, o deputado ainda precisa andar com seguranças. Além disso, um levantamento feito pelo Ministério Público estadual mostra que o número de milícias dobrou. Em 2010, eram 41. Hoje, são 88. Campo Grande e Santa Cruz são as áreas com maior controle dos milicianos.


Esse domínio das milícias é semelhante ao do tráfico de drogas nas favelas. Por isso, é comum vermos nos jornais a guerra entre milicianos e traficantes. O foco de ambos os grupos é controlar e dominar cada vez mais áreas, burlar o Estado e lucrar. De acordo com o delegado Rivaldo Barbosa, diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio, em entrevista ao O Globo, a milícia e o tráfico são responsáveis por 80% dos assassinatos no estado.


No mesmo ano em que surgiu a CPI, também surgiram as UPPs, o Programa de Unidade de Polícia Pacificadora, implantado pela Secretaria de Estado de Segurança do Rio, no fim de 2008. A estratégia era criar uma parceria entre a população e as instituições da área de Segurança Pública. O principal objetivo era a retomada permanente de comunidades que foram dominadas pelo tráfico de drogas. Até 2013, 1,5 milhão de pessoas que viviam em volta das favelas foram beneficiadas pelo projeto. Entretanto, a partir de 2014, o corte de gastos do governo começou a atingir as UPPs e a violência provocada por traficantes voltou a se agravar. O fato pode ser exemplificado com um levantamento da Polícia Militar sobre o crescimento do número de confrontos em áreas de UPPs: foram 13 em 2011 e 1.555 em 2016.


Uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) em agosto de 2017 apresenta um efeito negativo a longo prazo das UPPs. De acordo com o estudo, 61% dos entrevistados acreditam que a presença da polícia na favela não trouxe benefícios, mas sim, problemas como os confrontos citados anteriormente. Além disso, 78% disseram concordar que o morador da favela vive inseguro porque nunca sabe quando vai ter tiroteio.


Com essa análise, é possível dizer que, mesmo com as ações da CPI e das UPPs, nem as milícias, nem o tráfico, diminuíram como o esperado no Rio de Janeiro. Todos eles fazem uso da violência física, legítima ou não, para atingir seus objetivos. A UPP e a CPI são os únicos casos em que o monopólio dela é estatal, sendo considerada legítima, como defende o intelectual Max Weber. Entretanto, os outros destoam do pensamento do filósofo, uma vez que o domínio da violência nunca foi 100% da polícia, estando também nas mãos do crime organizado. A criação dessas UPPs é o reflexo do Estado tentando recuperar todo o monopólio da violência legítima. Isso acontece porque tanto a milícia quanto o tráfico são organizações sem ligações estatais, representando, assim, uma ameaça para o poder do mesmo. Elas também podem ser as responsáveis pelo o que se aproxima do fim do monopólio da violência legítima para o Estado.

 
 
 

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