O carisma que ajudou a levar Lula à presidência do Brasil
- Victoria Mancino
- 20 de out. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 31 de mai. de 2019
Em parceria com Eliza Ranieri

O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é conhecido no mundo inteiro por seu discurso populista e pelo grande apoio popular. Esse é um dos motivos que o permitiram ficar por oito anos na presidência do Brasil. Mesmo estando preso atualmente, foi possível perceber a devoção por Lula nas intenções de voto: ele liderava as pesquisas até agosto - pouco antes do TSE decidir que ele estava inelegível - com 39%, segundo o Datafolha. O ex-presidente virou um herói para muitos brasileiros, principalmente para aqueles que saíram da miséria durante seu tempo na presidência. O governo lulista diminuiu em 50,64% a pobreza do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O afeto e a confiança da população brasileira em Lula - principalmente a mais pobre - é explicado pelos estudos sobre dominação do filósofo Max Weber. O mandato do petista é um grande exemplo de dominação carismática, no qual a obediência do povo é estabelecida pela confiança e pelo reconhecimento de seus feitos em sociedade. O maior motivo de Lula ter atingido esse tipo de dominação é devido a seu discurso de proximidade com os brasileiros e de garantia de mudanças, principalmente no âmbito da miséria.
Entretanto, nem sempre foi assim. Houve não só uma mudança em sua oratória desde que começou a concorrer como presidente do Brasil, em 1989, mas também uma mudança física e comportamental. Neste ano, Lula foi ao segundo turno com Fernando Collor (PRN). Durante sua campanha, o discurso era brusco e a expressão dura, sem passar carisma à população. Em uma das propagandas eleitorais, Lula fala das consequências de um voto errado: "votar é muito mais sério do que mudar um canal de televisão, porque mudando um canal de televisão e não encontrando um filme que você gosta, você pode mudar para outro canal. Se não gostar, desliga. Votando errado você vai ter que esperar cinco longos anos para poder mudar de canal".
A população votou e escolheu Collor para ser presidente do Brasil. Em 1994, Lula voltou a concorrer ao Palácio do Planalto e seu rival direto era Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O discurso lulista teve mudanças: desta vez, ele usou o impeachment de Collor em 1992 para pautar a honestidade, que ganhou mais força em seu programa eleitoral televisivo: "a bancada do PT tem ética na política. Não há um nome envolvido em corrupção". Além disso, ele se baseou na estratégia de conversar com a população para promover mudanças, olhar para as minorias e 'mostrar que o Brasil tem jeito', como ele mesmo falava. Mesmo assim, FHC, apoiado por PSDB, PFL e PTB, venceu as eleições no primeiro turno com 54,3% dos votos válidos, seguido por Lula com 27,1%. O Plano Real teve destaque neste período, visto que ajudou na ascensão Fernando Henrique.
A segunda derrota não foi o suficiente para tirar a vontade de Lula de governar o Brasil. Ele voltou a concorrer às eleições de 1998, novamente com FHC como rival direto e candidato à reeleição. Sua oratória passou a ser mais comovente do que as anteriores: em um de seus discursos públicos, ele disse que o país precisava ser governado com o coração. No entanto, Fernando Henrique Cardoso foi reeleito no primeiro turno. Desta vez, o tucano conquistou o apoio informal da maioria do PMDB, além do PSDB, PFL, PTB e PPB. No ano seguinte, quando FHC tomou posse, a economia passou por problemas devido a desvalorização do Real. Esse foi um dos motivos que culminaram na queda de aprovação do governo que, em dezembro de 1996, havia alcançado 47% e caiu para 13% em setembro de 1999.
Enquanto o presidente da época passava por problemas na administração econômica do país, o Partido dos Trabalhadores, em 2000, teve ampla vitória nas eleições municipais em São Paulo, Recife, Porto Alegre, Belém, Goiânia e Aracaju. O final do mandato de Fernando Henrique ficou marcado por uma crise que levou a inflação à casa dos 10%, em 2002. Isso contribuiu para o desgaste do PSDB e a insatisfação da população com o partido. Paralelamente, a campanha de Lula para as eleições de 2002 contou com muitas mudanças. Os dois pontos foram cruciais para que Lula finalmente se elegesse. Seu carisma durante a campanha foi importante, mas não foi a única razão que o levou à presidência do Brasil.
Nas eleições de 2002, a vida privada de Lula esteve presente em diversos momentos, como quando a morte de sua primeira esposa foi lembrada em um de seus programas eleitorais. Isso era algo que não acontecia nas campanhas anteriores. Quanto aos discursos de cinco e sete minutos, recorrentes nas eleições de 1994 e 1998, tornaram-se mais sucintos em 2002, quase não passando dos dois minutos de duração. O tema “honestidade” se tornou presente em vários desses discursos: um exemplo foi no programa do dia 16/08/2002, onde Lula discursou “a favor de um governo honesto”. Estas foram algumas das mudanças que ajudaram Lula chegar à Presidência do Brasil naquele ano, após três derrotas e 22 anos de existência do partido. José Serra, do PSDB, disputou o segundo turno com o petista que foi eleito com 61,3% dos votos.
Desde então, o discurso carismático de Lula durante seu mandato e sua relação com a população o tornaram um líder político marcante na história do Brasil. Ele foi reeleito em 2006 com 48,61% dos votos no primeiro turno e com 60,83% no segundo, contra Geraldo Alckmin, do PSDB. A porcentagem é a maior na história das eleições presidenciais brasileiras e exemplifica a idolatria do petista no país. A dominação carismática exercida por qualquer outra pessoa é instável devido à dificuldade de manter a devoção afetiva, e com Lula não foi diferente. Com sua prisão, os escândalos de corrupção e o crescimento de seu nível de rejeição, a identificação da maioria da população com o petista já não é mais a mesma. Mesmo assim, ainda há uma boa parte dos brasileiros que idolatram a figura lulista. Isso mostra a força de sua oratória e carisma que, junto à deslizes da oposição, o tornaram um dos homens mais notáveis na história da política brasileira.
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